quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dois dias na Ilha da Fantasia

Quem acha que só o Rio de Janeiro tem o seu Projac, engana-se. Na Bahia, a cidade cenográfica fica a uns 70 quilômetros de Salvador e chama-se Praia do Forte. O pano de fundo das várias novelinhas que passam por ali é a ecologia. Tudo na vila foi pensado para a não agressão ao meio ambiente. E parece que dá certo: são centenas de turistas de um lado para o outro gastando nas lojas e restaurantes de grife, levando sustento para a população local, que me pareceu megafeliz.

Depois de dois dias na ilha da fantasia, adentrei por Camaçari rumo à cidade de Cachoeira. Todos os baianos desaconselham pegar a estrada que cruza o polo industrial. São inúmeras rotatórias que deixam o motorista quase enjoado de tanta voltinha. O mais chocante é ver um sem número de fábricas multinacionais jogando resíduos tóxicos a menos de 25 quilômetros do paraíso ecológico que é a Praia do Forte.

Cenário forte, quase de filme de ficção científica com umas torres imensas e de diversos formatos. Ficamos tão impressionados que nem conseguimos parar o carro e tirar a foto que deveria ilustrar o post. Algumas empresas ali instaladas informam sobre o tipo de poluição que está sendo produzido. Em uma das placas, ao lado de um rio, se lê, na maior cara-de-pau: ‘proibido nadar, beber e pescar. Água industrial.’

Me senti enganada depois de um par de dias contemplando as tartaruguinhas.    

sábado, 25 de setembro de 2010

Por que a comida sumiu das campanhas eleitorais?


A comida tinha papel fundamental nas campanhas políticas. Era batata ver o candidato fazendo graça com os possíveis eleitores comendo um churrasquinho de gato, um pastelão de feira, uma bela feijoada ou até a famosa – e não menos nojenta - buchada de bode.   

A máxima dos marqueteiros passou a faca nas refeições públicas de políticos postulantes a novos cargos com a intenção de evitar imagens patéticas dos caras de boca cheia.  Ou até – possibilidade mais absurda – pra eles não assumirem o cargo com barrigão.

Imagens mais limpas e, resultado, o cafezinho em alta. Tradição das campanhas mineiras, a bebida ganhou destaque nacional e é onipresente em todos os estados. Além de evitar o risco de uma foto esdrúxula, mantém o mínimo da identidade cultural brasileira. E nem assim os políticos estão livres de situações embaraçosas. Este ano, o cafezinho foi capaz de causar alvoroço nas campanhas dos presidenciáveis.  

Nada que divertisse. É pena, então, que o cardápio do brasileiro não entre mais na pauta eleitoral e que nós, eleitores, sejamos furtados no direito de saber o que come, quando e de que forma os futuros chefes da nação. Afinal, não há quem duvide que a comida está diretamente ligada à identidade social do cidadão.      

Será que a Dilma em suas novas medidas evita o torresminho mineiro e o churrasco gaúcho, pratos tradicionais de suas duas terras do coração? Outras dúvidas que não me saem da cabeça. Será que o Serra, cada vez mais parecido com o Dráuzio Varela, evita as gorduras trans e a carne vermelha, e ainda sofre muito com sua úlcera, que o fazia levar marmitas para as agendas externas (o que já o livrava dos quitutes mais ousados)? Não saberei. O máximo a que chegaremos, caso algum curioso nos conte, é se há espaço para o leite pingado nessa enxurrada de café escuro.    

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Os 2113 transes de uma seita em movimento

Há uma seita que segue silenciosa no Rio de Janeiro. Atraídos pela necessidade de alcançar um rumo na vida, todos passam pela experiência do transe. E mesmo que não gostem, acabam voltando, já que o caminho, apesar de tortuoso, leva a um objetivo comum. Entre os iniciados, é impossível não manter a cumplicidade: os contatos passam a ser constantes e a necessidade de informações sobre os companheiros é real, pois os percalços na longa jornada são muito comuns.


Assim como uma igreja evangélica, o dízimo é exigido. São R$ 4,70. Apesar do valor não fazer distinção de classes sociais, a viagem não é igual para todos e pode começar em diversos pontos, de acordo com a evolução cármica de cada indivíduo. Além da duração, a forma como cada pessoa enfrenta as provações difere. Mas todos, absolutamente todos, são unânimes: para alcançar o objetivo, há que ter sofrimento.

Depois que passam a fazer parte desta congregação – e mesmo sabendo que há outras formas, menos sofridas, de encontrar a luz -, os integrantes se pegam arregimentando novos integrantes. “Cruza as três pistas da Enseada de Botafogo. Lá você consegue.”

Neste cenário idílico do Rio de Janeiro, a oferta é farta. São três portas. Mas nem todos são aceitos numa primeira tentativa. Há que ter perseverança e se mostrar realmente decidido a ingressar. Após ser aceito, o novo integrante conforma-se e, como em todo processo interior, entremeia momentos fáceis e difíceis, com a certeza de que vai atingir a sua meta. Com atraso, mas vai.

Após a adesão, há quem tire proveito para reclusão na leitura, na música ou mesmo na fotografia. O ponto alto do transe é o encontro com Iemanjá. Mas não se engane: não se trata de candomblé. Só quem experimenta, entende.

• Para integrar temporariamente uma equipe de trabalho no Polo de Cine e Vídeo, ao lado do autódromo em Jacarepaguá, Marcelle Justo teve que pegar por 60 dias consecutivos a linha de ônibus 2113, no primeiro ponto da praia de Botafogo. Neste tempo, colecionou decepções, como ver o ônibus passar pela pista de fora e não a pegar; brigas entre os passageiros e o motorista e até motoristas que não sabiam o trajeto da linha, tendo que contar com o suporte de passageiros para chegar ao final.

• Um colega da mesma equipe presenciou o assalto de uma nota de 10 reais e, na mesma viagem, foi obrigado a saltar do ônibus porque o motorista se envolveu em um engavetamento.

• Outro colega, depois de uma coleção de minutos esquecido no ponto, teve que aceitar a carona de um ônibus qualquer que seguia apagado para a garagem e não permanecer definitivamente esquecido na avenida Abelardo Bueno.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Uma sucessão de erros e a riqueza ao final

Mês passado, eu e Alexandre fomos para Buenos Aires curtir quatro dias de folga. A intenção dele era conhecer Montevidéu, mas por força de Mafalda maior consegui convencê-lo a voltar à capital argentina. Afinal, foi ano passado que ela ganhou seu banquinho na esquina das calles Chile e Defensa, em San Telmo, e eu ainda não a conhecia. Óbvio não era só: havia ainda muito a conhecer na cidade, já que da última vez, em lua-de-mel, estávamos meio tontos por conta de toda a produção do evento e perdemos muitos pontos bacanas.

A condição, imposta por M’Arrudão, para rumar pela segunda vez para a cidade dos portenhos era fazer ao menos um passeio ao Uruguai. Não encrenquei e topei de peito aberto conhecer Colonia del Sacramento. Erro número um!

Os guias de turismo dizem que trata-se de uma cidade histórica, classificada como patrimônio da humanidade pela Unesco, cheia de belas construções. A graça maior é que a cidade foi fundada por portugueses, que revezaram o poder naqueles terras com os espanhóis por anos seguidos. Ou seja, haveria uma mescla entre as duas culturas nítida nas construções.

Em uma hora de barco, dá pra fazer a travessia pelo Rio da Prata entre BAires e Colonia (é assim que os portenhos chamam a cidade). Tentamos fazer as reservas pela internet. Não chegamos a nenhuma conclusão e decidimos fazer in loco. Erro número dois. Pedimos que as meninas da recepção do hostel fizessem pra gente. E elas pegaram uma daquelas excursões caretas com city tour, almoço incluído e horários esdrúxulos. Beleza, é passeio, não castigo.

Ledo engano. Ao chegar em Colonia, a guia mais bizarra da minha vida aguardava um grupo heterogêneo, para fazer o ‘walking tour’ pelo centro histórico. Aos berros, de cara amarrada e ordens bem autoritárias, a moça nos explicava que Colonia, na verdade, tem poucas construções históricas de séculos passados. Parte da cidade, incluindo o centro histórico, foi reconstruída por profissionais depois de um esforço do governo para dar um incentivo à região, tanto turístico quanto econômico. Caído, pensei.

Ao encontrar um casal brasileiro de Campinas, puxei papo, rimos alto e a nazista travestida de guia mandou calar a boca. Hora de partir. Não dava, no voucher do passeio, com direito a almoço e ‘walking tour’, não tinha o endereço do restaurante. Tínhamos que aguardar o momento de perguntar esse detalhe para a senhora. Quem disse que ela abria espaço para a singela pergunta?

Em cada esquina refeita por historiadores, uma plaquinha indicava a agência da nazista-guia como única opção de city tour com preços convidativos. Um vexame... A cidade, que de fato é bonitinha, toda emporcalhada por plaquetas publicitárias caça-turista. Depois de uma hora e meia de tortura, como uma professora má de filme da Sessão da Tarde, ela nos disse que poderíamos almoçar em dois locais. Escolhemos o mais simpático. Erro número três. Os caras desistiram de aceitar o voucher. Fomos para o outro: uma lanchonete de quinta, onde a melhor opção eram sanduíches de salsinha ou hambúrguer. Pelo menos o vinho era bom.

Resumindo: a primeira vez no Uruguai foi uma decepção. Mas vale a pena. Tive meu momento de maior riqueza dos últimos tempos, já que a moeda de lá vale um décimo de real. Pra aproveitar, comi até cascata de camarão no jantar e comprei o sobretudo mais barato da minha vida. Ai, ai, meu coração bate agora por Montevidéu. E Mafalda que não me ouça, Alexandre tem toda razão.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

terça-feira, 8 de junho de 2010

Os belgas sabem muito bem o que fazem


Sensacional o roteiro da cerveja em Bruxelas, publicado quinta-feira na revista Boa Viagem. Só me trouxe boas lembranças do dia em que passei na cidade. E foi basicamente aquilo, de bar em bar, atrás de novidades à base de cevada. E nem era minha intenção.

O problema – ou a solução – foi uma dica do Alexandre: na principal praça, bem no Centro, é possível entrar em alguns prédios históricos para uma visita. Daí, o acaso me colocou no mau caminho. A primeira porta aberta que vi tratava-se do ‘Museu da Cerveja’. Entrei, paguei, vi e não gostei. Programa tosco pra enganar turista, pensei. Mal sabia que uma bela taça da deliciosa bebida me aguardava como brinde ao final. Pronto, começou a perdição. Cerveja belga é invenção só mesmo comparada a dos irmãos Lumière.

Como estava sozinha e tinha passagem comprada para o último ônibus que sairia da capital belga para Paris, onde tinha garantida caminha quente na Maison de Norvège, devia segurar a onda. É impossível! São tantas opções, tantas chopeiras, cores e sabores que nenhum admirador – por mais low profile que seja – consegue sair incólume. Fiz então um percurso moderado, experimentando um copo em cada parada. Um sonho!

Além disso, os belgas são uma espécie de franceses travestidos de carinho, boas histórias, generosidade e muito acolhedores. Adorei. Sem contar que os preços em Bruxelas são infinitamente mais baixos que em Paris. E essa foi aquela viagem em que eu me virei vendendo chaveiros by Dona Eliana, tal qual vendedora da Avon.

Cheguei com folga para pegar o ônibus de volta à Cité Universitaire, na capital francesa. A solução – ou a perdição - foi provar mais um na estação e fechar com chave de ouro minha primeira incursão pelo país do Tintim. No dia seguinte, liguei para o Rio, para dar satisfações ao marido – abandonado sozinho em casa. Ele me perguntava: “Gostou da Bélgica?” Só consegui dizer: as cervejas são sensacionais. Você precisa conhecer.

Peninha, ainda não rolou. Mas volta e meia temos uma amostra daquela tarde inesquecível. Semana passada, vivemos uma noite de cervejas quase tão boas quanto, num bar que enche os olhos logo de cara com tamanha gama de opções dispostas em vitrines-geladeira. Mas esta já é uma outra história.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Papo de botequim

Inspirada no Comida di Boteco, que começou na sexta e vai nos alegrar – graças a dadá! – até o fim de junho, me lembrei de uma situação inusitada vivida no Pavão Azul, na Paula Freitas, em Copacabana.

Logo ao sair do apartamento da Ladeira dos Tabajaras, me toquei de que tinha esquecido a escada com três andares, muito útil na nova casa. Voltando do trabalho, peguei a sogra e o marido pelo braço e pedi ajuda: ‘vamos buscar’. Saindo dali, a pé (só pra variar), demos a parada estratégica no Pavão para apresentar a patanisca para Sueli. Fato recorrente no Pavão – boteco concorridíssimo no bairro – não tinha mesa. Não nos fizemos de rogados: abrimos a escada e espalhamos copos e os peticos, pelos andares do utensílio doméstico, para a degustação na calçada.

Nossa ideia foi aprovada por ninguém menos que o dublê de chef e ator Rodolfo Bottino que, sortudo, estava sentado na mesa em frente. Fazendo graça, prometeu espalhar a novidade e disseminar nossa prática nos botequins do Rio. Bem que poderia haver um modelo mais compacto – tipo bicicleta dobrável – pra que a gente pudesse desfrutar melhor de alguns pontos com boa cerveja e petiscos engordativos e deliciosos (se não engordassem, não seriam bons, claro!), como o Braseiro da Gávea, o Bracarense em fins de semana e o filhote (sic!) Chico e Alaíde, sempre abarrotados.

Aliás, história boa de boteco é o que não falta. Encostado no balcão de um desses exemplares no Leme, Alexandre viu Rogéria de bobs no cabelo, pedindo ao portuga do caixa pra trocar uma nota de 50 reais. Coçou os olhos, demorou a acreditar, mas não teve dúvidas segundos depois. Era ela!

Serafim também já nos deu o que falar. Sábado desses, acompanhados da Rô e do Aluísio, conhecemos o barbeiro mais famoso da Rua Alice. Aos berros, o sujeito gritava com um bebum ao pedir respeito à memória de Seu Juca, morto ano passado. A forma escolhida pelo fortão era tão desastrada que mais parecia que estávamos assistindo a um assalto. Apavorados, chamamos os garçons que nos acalmavam dizendo ‘ele é uma flor’. ‘Credo, que flor é essa, pensávamos’, acuados, sem coragem de levantar a mesa e também ganhar um sopapo. Ficamos até o último gole.

Semanas depois, Aluísio aparece de cabelos cortados, contando satisfeito:

- Vim ao barbeiro vizinho de vocês.

Mais uma vez apavorados, eu e Alexandre dissemos: ‘Tá doido? Era aquele cara violento!’. Como quem não entendeu nada, nosso padrinho perguntou: ‘aquele qual?’. Não lembrava, óbvio, a cerveja apagou a má lembrança e ele teve que concordar com o staff do Serafa: o barbeiro da Rua Alice é mesmo uma flor.